terça-feira, 28 de setembro de 2010

Malvado e provocador


O quadrinista André Dahmer pode ser considerado um provocador por natureza com seu humor inteligente e cheio de sarcasmo. Com a série de tiras “Os Malvados”, ganhou reconhecimento e atraiu olhares com suas cômicas críticas à sociedade.

André Dahmer seguiu tardiamente pelo mundo dos quadrinhos. Formado em Desenho Industrial pela PUC-RJ, somente no ano de 2001 que esse carioca de 35 anos decidiu fazer do hobby uma necessidade de expressão. Nesse mesmo ano veio ao ar o site “Malvados”, com seus dois supostos girassóis de frases cínicas e atitudes reprováveis.

Dahmer viu seu trabalho ganhar repercussão nacional com ajuda do boca-a-boca da internet. Logo foi convidado a ter tiras em grandes veículos como o portal G1 e o jornal Folha de S. Paulo. O humor negro e a crítica à moral e aos bons costumes ganhavam espaço e reconhecimento.
Sem nenhum tipo de freio, Dahmer faz do cotidiano sua piada e sua alfinetada certeira, seja para quem for. “Dizem que faço humor político, mas não é verdade. Trabalho também com crítica de costumes e humor pastelão. Gosto de tudo, quero trabalhar com tudo, não gosto de rótulos”, conta o autor.




O que merece uma tira?

Qualquer coisa com potencial para a tragédia e a comédia.

Os seus personagens são inspirados em algo ou alguém em específico?
Observo muito o cotidiano, mas não há algo ou alguém específico para alimentar meu trabalho. O mundo tem muito do caricato, do absurdo, do injusto. É possível buscar muitas referências nessas distorções.

“A arte perturba os satisfeitos e satisfaz os perturbados” - Witold Gombrowicz. É essa a base da sua arte?
Considero a arte um agente transformador, uma forma de não estar sozinho no mundo, mas também uma maneira de alimentar o outro. A música é um grande exemplo de como é possível dar alento e prazer aos dois lados.

Você acha que tem um olhar um pouco pessimista da sociedade? Temos salvação?
Não me acho pessimista, acredito muito na força do homem, da solidariedade, do esforço de amor ao próximo. Salvação é um conceito elástico, cada um tem a sua. O mundo tem muitas coisas ruins, claro. Mas temos muita gente boa e jovem para trilhar caminhos menos dolorosos, mais justos. Acredito que o maior problema da atualidade é a sociedade do consumo e a nossa tragédia hedonista, mas creio que vamos superar a alienação e caminhar para uma forma mais sadia de existência.

Você postou no blog dos Malvados tiras do Rafael Sica dizendo: “o orgulho de todos nós”. Por quê?
Rafael Sica é um dos grandes nomes da nova geração dos quadrinhos brasileiros. Busca elementos novos, todos nós temos muito respeito pelo trabalho que ele faz. Sica é um dos que gosta de ir na frente, abrindo a trilha no mato. Não o conheço pessoalmente, mas é um alento ter um garoto tão jovem produzindo com tamanha força.






Os Malvados
@malvados

Ás de Copas


O calor está infernal. Os corpos tomados pelo suor são envolvidos numa atmosfera de excitação, resultado da união de batidas frenéticas extremamente dançantes e os jogos de luzes. Mesmo assim, o público parece não estar nem próximo de se cansar, e muito menos perder a animação, quando a vocalista Cacá V e o guitarrista Alec Ventura começam a cantar energicamente os primeiros versos de “King Of The Night”. A platéia estupefata dá início às palmas e uma cantoria uníssona quase gritada, deixando no ar uma química contagiante.

“Looks like he wanna be the king of the night...”, nesse exato momento dá-se uma pequena pausa. Cacá salta em meio à multidão, que de meros dançarinos pseudo-cantores passam a coadjuvantes da festa, e a banda parte para o refrão como um golpe sonoro. O público explode num frenesi dançante ao redor da vocalista, suas três borboletas coloridas tatuadas no braço esquerdo multiplicam e misturam-se ao movimento elétrico de todos que estão na pista. “É isso a balada do Copacabana Club”, brinca Cacá.

O que antes seria apenas uma banda entre amigos por pura diversão, agora concretiza-se como assunto sério com o lançamento do primeiro disco. Em menos de quatro anos, os curitibanos do Copacabana Club tornaram-se uma das grandes promessas da música nacional, posição conquistada por um “boom” acidental, surpreendendo tanto seus integrantes quanto a mídia especializada. “Quando a gente começou, eu mal sabia cantar e tocar qualquer instrumento”, conta Cacá V, a carismática vocalista do quinteto, “Nunca tive uma banda antes. O Copa foi um projeto pra gente se divertir e ser mais um tipo de escape, um hobby”, completa.

Hobby que não poderia ser mais dançante. Batido em liquidificador, a banda faz um rock alternativo de mistura saborosa e bem energética, reflexo do gosto musical democrático de seus integrantes: vai de Beatles a Primal Scream, passando de Stevie Wonder para Stereolabs e LCD Soundsystem, acrescentando também um toque de brasilidade dos anos 70, como Jorge Ben. “Cada um tem suas influências e gosta de um tipo de som, e no final dá uma soma bem legal”, comenta Cacá. Com tanta sonoridade, classificar o Copacabana Club não é tarefa fácil; tanto que colocá-los como rock alternativo é uma das possíveis soluções, como para com tantas outras bandas.

Em meados dos anos 1980, o rock alternativo tornou-se uma saída simples para enquadrar bandas independentes influenciadas pelo punk rock e os sons que se desenvolveram depois, como o pós-punk e o new wave. A cena pertencia aos pequenos clubes, com aparições mais modestas, uma ou outra música alcançando o ponto mais alto das paradas e ocasionalmente recebendo críticas em publicações mais influentes. Hoje a história muda, mas nem tanto: grande parte das bandas independentes continua nos pequenos bares, os selos independentes ainda estão por aí, algumas bandas dão mais sorte que outras, mas a visibilidade e o hype aumentaram consideravelmente com a internet e as redes sociais, como o MySpace.

Dos anos 1990 aos 2000 mais bandas começaram a ganhar reconhecimento, como Radiohead, The Strokes, The Killers, The White Stripes e Yeah Yeah Yeahs. Sons que de uns anos para cá tomam as pistas das baladas alternativas, muito conhecidas pela Rua Augusta, em São Paulo, que também serve de celeiro para novas bandas, mesmo com influências e sonoridades, às vezes, completamente distintas. “Ter uma banda que todo mundo conhece e se estabelecer nesse espaço é mais difícil, porque é tanta gente, tanta banda legal, tanta coisa acontecendo que você tem que ser mais que genial para ficar nesse lugar”, analisa Cacá, considerando-se ainda uma novata na área com seus três anos de estrada.

Em 2007, após voltar de uma temporada de cinco anos em Londres, o vocalista e guitarrista Alessandro Oliveira – Alec Ventura – encontrou num bar o também guitarrista Luciano Frank, antigo companheiro de banda. Desse encontro informal, os dois decidiram montar uma nova banda juntos, e logo de cara convidaram a baterista Cláudia Bukowski, que já havia tocado com Luciano em outra banda. A vocalista Camila Cornelsen – Cacá V - estava ao lado durante o convite, entretanto com ela foi um pouco diferente. “Eu acabei me convidando para entrar no Copacabana”, relembra Cacá, que completa em tom repressor: “Eu não admitia que eles ficassem falando de montar uma banda sem mim” e cai na risada. Em junho de 2007, dois meses depois dos convites boêmios e alguns ensaios, foi a vez de Tile Douglas assumir os baixos, completando a sonoridade do Copacabana Club. Em pouco tempo a banda já contava com quatro faixas para o lançamento do EP “King Of The Night”, de 2008.

De lá para cá o caminho foi de ascensão: capa do caderno Ilustrada, da Folha de S. Paulo, vencedores do projeto Levi's Music 2009, apareceram em vinhetas da MTV e indicação para no VMB 2009, principal premiação da MTV brasileira; esse ano fizeram uma pequena turnê pelos Estados Unidos e agora disputam o Prêmio Multishow. Tudo isso conquistado apenas com um EP, crescente número de visualizações no MySpace e o clipe de “Just Do It”. Quando pergunto da rápida repercussão da banda, Cacá responde enfática: “A gente não esperava. Eu não imaginava que em tão pouco tempo a banda tomasse tanto tempo da minha vida”.

Mesmo com o repentino sucesso, os Copas não viviam completamente da música. “Todo mundo tem alguma coisa para fazer, sabe?” comenta Cacá que trabalha com fotografia, e considerava a carreira na música antes como um plano C. Há pouco tempo, Tile teve que optar entre o emprego fixo em Curitiba e a banda, devido à dificuldade de conciliação; diferente do novo guitarrista Rafael Martins, jornalista e com horários mais flexíveis que os demais integrantes. “Ainda não conseguimos nos desprender tanto porque não ganhamos o suficiente”, explica.

E foi graças à soma dos empregos e das apresentações pelo Brasil que o Copacabana foi capaz de fazer sua primeira turnê internacional, com passagem por Nova York, Boston, Filadélfia e também pelo renomado festival independente South By Southwest, em Austin, Texas: “Como é independente, eles não te pagam nada. E a gente já tinha decidido que iríamos de qualquer maneira, então juntamos nossos cachês e economias”, conta Cacá. Dessa oportunidade, a banda conseguiu mostrar o que trazem de melhor: a energia do vivo, também servindo de termômetro para as músicas. “Foi como se a gente tivesse que tocar todas as nossas músicas do zero”, relembra, “Lá ninguém conhecia nada, então foi bom para gente testar algumas músicas que já tínhamos feito”, completa a vocalista.

No embalo da turnê e aproveitando o amadurecimento das músicas, os Copas finalmente lançaram seu disco de estreia, o aguardado Tropical Splash. Ao perceber a força do ao vivo, o desafio foi transmitir essa energia e descontração dos palcos para o estúdio. “Por mais que seja legal ao vivo, às vezes é difícil fazer isso sem soar estranho ou cafona”, garante Cacá, e acrescenta: “temos conseguido explorar de uma maneira legal essa nossa força dos palcos”. Depois de um ano e três meses de gravação e produção, a banda não via a hora de ter o produto final em mãos e ouvidos, independentemente do formato. “Seja da forma que for: digital, físico, gravadora, independente, nossa ideia era apenas lançar”, afirma a vocalista, que continua com uma autocobrança: “Já estava mais que na hora de lançar um disco”. Ao ser questionada sobre o momento que vive no Copacabana Club, Cacá demonstra-se realmente satisfeita ao repensar sua vida. “De certa forma eu sempre tive vontade de fazer música, só não sabia como. De repente o Copa foi a oportunidade perfeita para isso.”



Texto publicado no Vitroleiros

Raspa a franja e deixa a barba


Com o lançamento do novo disco da Fresno, Revanche, e o sucesso de um de seus projetos, o Beeshop, o vocalista Lucas Silveira se vê no momento mais maduro da carreira. “Dá mais vontade de trabalhar e fazer acontecer.”

Lucas Silveira é pontual ao falar de “Revanche”, o mais recente álbum da Fresno: “O novo disco deve surpreender os mais desavisados”. Após 10 anos de estrada, cincos discos de estúdio e diversos prêmios, a revanche do quarteto gaúcho marca uma nova fase. “Estamos em outro momento das nossas carreiras. Julgamos necessário arriscar mais, e as músicas saíram naturalmente diferentes de tudo que a gente já fez”, explica Lucas.

Agora com o nome consolidado entre os fãs e no cenário nacional, a banda larga a sonoridade extremamente pop de Redenção, 2008, e segue por um caminho mais pesado, dando espaço para riffs de guitarra mais trabalhados. Em “Deixa o Tempo”, primeiro single do novo disco que já tem cara de hit, transparece um clima mais “sombrio”, juntamente com o amadurecimento musical dos integrantes. A introspecção e auto-análise parecem maiores que nunca em suas roupas pretas e jaquetas de couro.

“Acho que agora as pessoas conhecem meu outro lado como músico, compositor e também produtor”, analisa Lucas ao fazer o balanço do espaço conquistado nesses anos. Através dessa oportunidade que um dos alteregos do vocalista ganhou forma e disco, o “The Rise and Fall of Beeshop”. Compondo e gravando grande parte do eclético material da Beeshop, Lucas explica seu Frankstein privado: “Tudo partiu de devaneios que venho registrando ao longo dos últimos cinco anos. É uma produção chefiada por mim”.

As influências de bandas norte-americanas e o gosto pessoal na composição são evidentes. A sonoridade transita do tradicional rock jovem de Copeland e Dashboard Confessional ao jazz das big bands de grandes cantores como Frank Sinatra e do rock clássico dos Beatles. “O que as músicas pediam, eu colocava. Por isso é que o disco tem uma sonoridade tão ampla e as músicas são tão diferentes entre si”, explica.

Impressionando a crítica e garantindo um novo sucesso, o músico começa a ser enxergado com maior seriedade que antigamente, quando era considerado apenas mais um vocalista de banda adolescente. “Estou muito feliz com a recepção do disco, especialmente entre as pessoas que não ouvem ou não gostam de Fresno. Isso mostra que a minha intenção de fazer algo diferente realmente surtiu um efeito”, reflete Lucas, que não se sente nenhum pouco intimidado com o futuro. “É excitante não saber como vai ser. Dá mais vontade de trabalhar e de fazer acontecer”, completa.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Em busca do sucesso


Com sons distintos, o heavy metal das bandas campineiras Kamala e Slippery buscam maior espaço ainda que no underground nacional.

Na noite de segunda-feira, por volta das 19 horas, em um quarto de seis metros quadrados nos fundos da casa do guitarrista e vocalista Raphael Olmos, da Kamala, a banda espreme-se em meio a fios, instrumentos, caixas “Deusa”, amplificadores, retornos e pedais. “É só a gente espremer que dá para fazer um som”, brinca Raphael apertando-se com sua guitarra perto de uma prateleira. No estúdio improvisado, em um quartinho coberto por caixas de ovos para garantir à acústica, além de não atrapalhar os vizinhos, a banda faz seu primeiro ensaio com músicas inéditas, preparando para o lançamento de seu segundo CD. Raphael Olmos (guitarra e voz, 25 anos), Andreas Dehn (guitarra, 30 anos), Adriano Martins (baixo, 24 anos) e Nicolas Andrade (bateria, 23 anos) compõem a Kamala, sediada em Campinas, interior de São Paulo, que desde 2003 tenta se firmar no cenário do Heavy Metal brasileiro.

A banda começa a se arrumar como pode. Um pé aqui, outro ali, gira o corpo, arruma o microfone, abre mais a perna, pisa no amplificador e mexe mais um pouco. Enquanto o ritual pré-ensaio é feito, as paredes parecem observá-los: nos quatro lados encontram-se estendidas bandeiras com imagens de deusas hindus. Elas estão relacionadas ao próprio nome e temática da banda. Kamala é uma deusa hindu que representa força e sabedoria. “Não sou praticante da religião, assim como ninguém da banda é, mas gostamos muito da ideologia proposta”, explica Raphael, ”sou uma pessoa muito ligada às energias e por isso procurei um nome que tivesse esse lado positivo e, ao mesmo tempo, fosse facilmente lembrado.” Além das deusas, os músicos são constantemente observados por seus ídolos inspiradores. O pequeno quarto é como uma Capela Sistina do Heavy Metal, acima das cabeças estão colagens de todos os músicos e bandas que influenciaram e influenciam o som produzido sob a benção da deusa da força e sabedoria brasileira.

“Que tal The Fall, do novo [disco]?”, pergunta Raphael ao resto dos integrantes. O primeiro impacto é com os gritos de Raphael, que se misturam com toda a efervescência característica do pesado som do Thrash Metal. Kamala segue a linha de bandas consagradas dessa vertente mais rápida e pesada do Heavy Metal, como Metallica, Megadeth, Sepultura, Slayer, Anthrax e Testament, mas se fundindo com outras sonoridades. “O som que temos agora é um Thrash mais moderno, com várias influências da cultura hindu”, explica Raphael, fundador da Kamala, que desde o começo buscava um som que remetesse diretamente ao nome da banda. “O resto foi fluindo”, assim como o ensaio noturno: virtuosismo, peso, quebra de tempo, paradas e muitos riffs de guitarra tornam o ensaio um pequeno show preparatório, fazendo com que as músicas fossem sentidas por todos, inclusive pela vizinhança da Nova Campinas, talvez menos nítido e pesado que naquele pequeno quarto.


Do outro lado da cidade, onde a vizinhança da Kamala não poderia ouvir, há uma introdução melódica e orquestral vindo de uma grande caixa negra de shows chamada Hammer Rock Bar. No interior da casa, onde, na penumbra, apenas exibe-se imagens dos vídeos de bandas de Heavy Metal, pessoas de diferentes estilos com suas clássicas camisetas pretas começam a se amontoar em frente ao palco. Os mais atentos podem notar a silhueta de alguns integrantes arrumando os equipamentos, todos prontos para iniciar o show. Ainda protegidos por uma escura atmosfera, a banda entra com guitarras harmoniosas em sintonia com a introdução musical, dando a impressão de cantarem em conjunto um hino ao Heavy Metal.

Com uma explosão de instrumentos, todos entrando unidos como um único golpe sonoro, o bar e a plateia iluminaram-se, revelando da escuridão a banda Slippery e sua grande bandeira logo atrás da bateria, em contraposto às bandeiras de diversos países penduradas na parede do outro lado do salão. Muito mais do que sonoridade cativante, a Slippery é atração visual quase nostálgica para os conhecedores do estilo, os integrantes vestem-se como seus ídolos do Hard Rock dos anos 80: calças de couro ou lycra justíssimas, tênis branco ou bota de couro de cobra, coletes e corrente; além dos grandes cabelos desarrumados e aquele retoque de maquiagem que o estilo é conhecido. Formada em 2004, a banda campineira começou como qualquer outra no underground: tocando covers de seus artistas preferidos e tomando-os como referência em composições próprias. Logo ao ouvir o som da banda, percebe-se a influência do Hard Rock e Heavy Metal dos anos 80, como Quiet Riot, WASP, Picture, King Kobra e Dokken.


Os integrantes da banda contam que inicialmente sofreram com as diversas mudanças na formação, com entradas e saídas de alguns integrantes que pareciam não se assimilar com a sonoridade e as ideias envolvidas. Então com a entrada do virtuoso guitarrista Kiko Shred, a Slippery encontrou a formação e a musicalidade que buscava. Kiko é o único na Slippery que segue a linha musical longe dos palcos. O guitarrista é constantemente ligado ao seu instrumento, além de estudante de música, ele sobrevive dando aulas aos garotos iniciados e interessados no Rock N’ Roll, como também para pessoas mais velhas e conhecedoras do estilo. “Enquanto ganho dinheiro com o que mais me agrada, o Dragão tem que ir todos os dias ‘engomadinho’ para IBM”, debocha Kiko, que completa: “o melhor de tudo deve ser poder usar qualquer roupa e não ter nenhuma preocupação com o seu estilo ou com o que os outros vão pensar”. Segundo o guitarrista fundador Dragão, Kiko foi um dos grandes motivadores da nova fase da banda. Hoje, eles contam com uma formação fixa e batalhadora: Fabiano Drudi (voz, 39 anos), Dragão (guitarra, 27 anos), Kiko Shred (guitarra, 26 anos), Érico Moraes (baixo, 24 anos) e Rod Rodriguez (bateria, 24 anos), todos muito animados e vibrando com cada nota emitida das pesadas e mesmo assim melódicas guitarras.

Agora com a atenção do público, o vocalista Fabiano Drudi anuncia a próxima música e aproveita a chance do “jabá”: “Esta daqui é Follow Your Dreams, do nosso EP [Extended Play, disco com cerca de seis músicas], quem quiser pode comprar depois do show. Ajudem galera, só tem mais cinco”, exclama Drudi, já emendando com a harmonia vocal da música e a entrada das guitarras. Lançado em 2007, Follow Your Dreams conta com composições autorais que destacaram a banda no cenário underground, resultando em diversos shows pelo estado de São Paulo. “Você vê que rola certo preconceito com bandas que fazem som próprio. É realmente difícil nesse meio se destacar, conquistar um pessoal. Mas também quando dá certo, é muito legal e gratificante ver as pessoas cantando e animando com sua música”, explica Érico Moraes. E realmente eles pareciam gostar, nessa noite muitos cantavam – alguns até mesmo dançavam – a cada nova música tocada. Um dos espectadores, um homem por volta de seus 40 anos, empolgado pelo som contagiante da Slippery, erguia os braços em forma de reverência e instantes depois abraçava desconhecidos, incentivando até mesmo o repórter: “é isso aí! Esse som é muito bom”, gesticulando como se tivesse conquistado uma batalha. No final, o veterano metálico aplaudia entusiasmado com ar de estupefato, embriagado pela noite de guitarras distorcidas e gritos afinados.

Follow Your Dreams obteve grande receptividade após muita divulgação em sites internacionais como My Space e You Tube, o EP foi requisitado por aficcionados da Europa, Japão e vários países da América do Sul. “Isso é muito bom, porque a função principal de um EP é justamente a divulgação da banda. Foi mais do que satisfatória toda a receptividade desse trabalho.” A qualidade do trabalho fez com que a Slippery fosse convidada, em 2008, para abrir shows de grandes nomes do cenário mundial, como Jimi Jameson (Survivor) que elogiou bastante a banda, Jeff Scott Soto (Talisman, Malmsteen) e pra lendária banda de Los Angeles L.A.Guns. “Não há nada mais gratificante do que ver os seus ídolos assistindo ao seu show e ainda apreciando o seu trabalho”, conta com exaltação o guitarrista Dragão.

“Finalizar o CD é o próximo objetivo da banda. Estamos buscando alguma parceria para lançar o trabalho”, justifica Dragão a demora do lançamento do primeiro CD da Slippery, que está em processo de gravação e produção desde 2008, “está difícil, falta incentivo”, justifica o guitarrista.

-- Questão de oportunidade


Enquanto a Slippery tenta lançar seu primeiro CD completo, a Kamala continua seu ensaio com o repertório de Fractal, seu mais recente trabalho com lançamento previsto para novembro desse ano, pelo selo Free Mind Records. “Já estamos trabalhando na divulgação do álbum, com myspace novo no ar, música nova no ar também e novo site que sairá com o lançamento do novo disco”, comenta o baterista Nicolas Andrade. Fractal nada mais é do que a síntese do trabalho duro e do amadurecimento de uma banda relativamente recente no cenário, porém tão talentosa e promissora. “Cada disco é como um filho, tem que cuidar para nascer direito”, brinca Raphael.
Formada em 2003, Kamala luta com todas suas forças para garantir seu espaço no cenário metálico brasileiro e consegue agora colher alguns dos frutos tão esperados por seus integrantes. “É uma conquista, já que lançamos a demo em 2005 e logo em 2007 conseguimos lançar um trabalho completo, pela Overload [Records]. Agora, estamos com o segundo CD, em 2009, pela Free Mind Records”, explica Raphael, que garante, “o primeiro disco serviu para abrir algumas portas, agora, com nosso segundo trabalho, chegamos mais fortes do que nunca e com vontade de mostrar que viemos para ficar”.

“A Free Mind é um selo relativamente novo, tem uns três ou quatro anos, só que eles são extremamente profissionais. Fizemos a escolha certa, eles já estão fazendo o trabalho de divulgação mesmo antes do lançamento do novo disco”, conta Andrade. A recente mudança de gravadora para o lançamento do segundo álbum veio por meio de uma busca por melhor estrutura e divulgação, uma parceria que conseguisse acompanhar a passos largos o ritmo da deusa da sabedoria, que agora tenta decidir qual a próxima música a ser treinada. “Sei que o cara está aqui, mas aumenta isso aí!”, pede o baterista, referindo-se ao repórter espremido entre ele e os demais equipamentos.

Os quatro músicos entreolham-se em meia a brincadeiras durante as pesadas notas e riffs de “Consequences”, primeiro vídeo clipe da banda e também de Fractal. Mesmo com a diversão no ensaio, eles não esquecem que a banda também é como um trabalho, para ser mais específico, uma empresa, que precisa encontrar parcerias que incentivem e consigam abrir novas oportunidades. “Não podemos ainda dar 100%, porque precisamos ter um trabalho fixo para conseguir bancar toda a estrutura da banda”, explica Raphael, sonhando com o dia que poderá depender somente dos frutos da banda. Para conseguirem pagar as despesas pessoais, além de manter a banda, os integrantes da Kamala se viram da maneira que podem, trabalhando fora da música. O guitarrista e vocalista Raphael Olmos talvez seja o mais privilegiado dos quatro, como professor particular de música, ele ensina guitarra, violão, baixo e ainda dá aulas de canto. “Infelizmente muitos de nós ainda não podem viver apenas da música, então fazemos as correrias para pagar as contas e tentar sempre investir na banda”, lamenta Olmos; “é complicado”.

Assim como a Kamala, há outra banda de Campinas que se destaca no cenário metálico da região: a Hellish War. Fundada em 1995 pelo guitarrista Vulcano com a ideia de um poderoso trio, em 1997 a banda decidiu seguir outro rumo e tornou-se um quinteto, com intuito de conseguir um som mais encorpado para o estilo tradicional de Heavy Metal. Como qualquer outra banda, as formações tiveram mudanças e atualmente a Hellish War é constituída por Roger Hammer (voz, 30 anos), Vulcano e Daniel Job (guitarras, 29 e 27 anos), J.R. (baixo, 26 anos) e Daniel Person (bateria, 24 anos).

Em doze anos de fidelidade ao Metal, apenas em 2009 a Hellish War conseguiu sua maior conquista: um convite para realizar uma turnê completa pela Europa. Batizada de "European First Assault Tour", a turnê incluiu apresentações em festivais europeus da Alemanha, Suiça, Bélgica e Holanda. “Não tenho palavras para essa ‘tour’. Ela foi simplesmente ‘animal’ e bem sucedida”, explica Vulcano, que ainda emocionado completa: “o povo lá fora nos recebeu tão bem que querem que voltemos pra fazer uma turnê ainda maior!” Segundo Vulcano, esse grande passo na carreira da banda foi possível graças ao amigo e manager Eliton Tomasi que trabalha com a produtora Som do Darma. “Por ter sido editor da extinta revista Valhalla [revista especializada em Heavy Metal], ele possui muitos contatos no exterior e foi através disso que surgiu essa oportunidade única”, explica o guitarrista, não esquecendo outra grande ajuda de Tomasi para evolução da Hellish War: um contrato com a gravadora alemã Pure Steel Records, encarregada de lançar os dois álbuns da banda (Defender of Metal, de 2001, e o Heroes of Tomorrow, de 2008) em formatos especiais.

Sem exceções, no Brasil, a dificuldade encontrada pelas bandas é uma grande lista que vai desde problemas na estrutura do cenário ao preconceito com o estilo. “Vivemos na terra do Calypso, e pra mim isso diz muita coisa. O preconceito é grande, sim, e a falta de incentivo caminha junto”, comenta Cassiano Cardoso Cotrim, 20 anos, grande fã de Heavy Metal e também amigo das três bandas campineiras. Esse pensamento também é dividido pelo guitarrista fundador da Hellish War: “Se fizéssemos axé, pagode, sertanejo, etc., estaríamos tocando em todo lugar. Mas não nos prostituímos por isso de maneira alguma. Amamos Heavy Metal.” Grande parte das bandas precisa das parcerias certas na busca de um lugar ao sol, mesmo dentro de um gênero tão estereotipado. Mesmo com seus diferentes estilos dentro do gênero, as três bandas coincidem no discurso das parcerias e oportunidades, para elas sempre há bons exemplos daqueles produtores e bandas que lutam pelo cenário.

Assim como para Kamala a Free Mind Records foi a melhor escolha para evolução da banda, Hellish War elegeu o manager Eliton Tomasi como amuleto da sorte. Com a ajuda de Tomasi, a banda conseguiu ser o único representante do Brasil a participar de Reunation - A Tribute To Running Wild, novo disco tributo oficial ao Running Wild, consagrado nome alemão do Heavy Metal mundial. “Running Wild pra mim é uma das maiores bandas de Heavy Metal do mundo. Portanto, é uma grande honra participar desse tributo”, explica Vulcano ainda dizendo que algumas vezes chega a se confundir com a música "Return of the Gods" do tributo, “fico na dúvida se somos nós ou o próprio Running Wild”. O guitarrista Vulcano, assim como os integrantes da Kamala e Slippery, aguarda a conclusão dos planos futuros: “estamos trabalhando em um disco ao vivo que gravamos nessa turnê pela Europa. A única coisa que posso garantir é que será matador!

(Texto produzido no 3º ano de jornalismo - 2009)

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Capitalismo: ame-o… ou deixe-o?


Parece não haver escapatória. O capitalismo é a melhor solução de sistema político-econômico. Ou não. Em 2008/2009 vimos os males do sistema perfeito, que deu seus primeiros passos na Revolução Industrial: crise econômica mundial, quebra de instituições financeiras, além da falência de empresas, indivíduos quebrados – no bolso e na alma. Os ricos ficando cada vez mais ricos, a classe média americana - tão cobiçada por seu way of life – em queda, e a classe baixa sem ter para onde cair mais.

Não sei se é apenas comigo, mas quando lemos notícias, reportagens e livros sobre certos assuntos que vivenciamos, parece que sabemos tudo que está acontecendo. De certa forma sabemos mais. Porém não é tudo; nunca é. Às vezes estamos cientes de como o mecanismo funciona, mas não acreditamos até ver com os próprios olhos. Das minhas leituras eu já tinha ideia que a dominação das empresas era de proporções inimagináveis, elas que ditam nosso viver, inclusive nosso país. Parecem ser maiores que tudo e todas as leis, estão acima e onipresentes. Comandam de forma simples. É como e quando desejam.

O cineasta Michael Moore nos traz “Capitalismo: Uma História de Amor” como explicação do surgimento desse colapso do sistema perfeito e do país perfeito devido a estas empresas megalomaníacas. Quem fez, quem faz e quem manda está nessa história de amor. E não é realmente uma história de amor? Não como novelas globais, mas como boa literatura clássica – ou como um namoro de muitos anos: potente, apaixonante, tornando-se abusiva, destruidora e no final sugando nossas forças após a desilusão.

É muito amor pelo dinheiro a qualquer custo. Moore chama atenção inclusive de como essas empresas lucram com a morte de seus empregados, enquanto as famílias sofrem pela perda da vida do parente e a falta humanidade. Isso é apenas um pedaço, a pequena ponta do iceberg. O drama humano parece fazer a compreensão de um assunto complexo e delicado parecer mais fácil e simples. A crítica séria somada ao humor do cineasta também é um ponto forte, mas o problema de seus filmes é aquela pequena tentativa de manipulação. Cabe a nós notar o que ultrapassa a imparcialidade do diretor.

Se o capitalismo é a religião, lucro é salvação? As empresas são os fiéis? Wall Street é a terra santa? Mas e quando o fiel acredita ser maior que seu ídolo? Estamos em meio a isso. E agora? Assista ao documentário e tire suas próprias conclusões. Venha você também ficar desiludido.


quarta-feira, 14 de julho de 2010

Na espera de Cook

David Cook liberou por enquanto um pequeno vídeo das gravações do seu novo disco, ainda sem nome. Esses 45 segundos serviram apenas para atiçar ainda mais minha vontade de ter logo esse disco em mãos e ouvidos.

A grande novidade mesmo é ver que parece estar ficando bom, espero que seja realmente de grande qualidade. Seria ótimo se tivessem músicas mais pesadas como nos trabalhos pré-Idol, afinal, qualidade sempre terá.

Segue o vídeo que me deixou doido:

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Loki!


Não é todo dia que somos surpreendidos com uma grande história de vida. Sabemos que por esse Brasil multicultural, de vastas terras e pluralidades pode ser fácil encontrar grandes personagens nos menores e mais desconhecidos frascos. Em "Loki", dirigido por Paulo Henrique Fontenelle, encontramos um frasco dos grandes: profundo, de perfume mutante, ácido e sutil em seu auge, passando por momentos de renascimento que o levam a ser o mais doce e inocente possível. Falamos aqui de Arnaldo Baptista, o mutante d’Os Mutantes; Loki, o deus mais travesso da mitologia nórdica, com o poder de assumir as mais diversas formas, e também considerado o mais complexo entre as demais divindades.

Levei um ano para assistir as duas horas que mais foram aproveitadas em frente ao aparelho de televisão. Quando notei que "Loki" iria passar na TV Cultura tarde da noite de sábado para domingo, não titubeei: coloquei alarme, fiz meus pais prometerem de pés juntos que não me fariam esquecer, avisei até vizinho da programação; não poderia perder; já havia enrolado demais. O documentário foi muito elogiado, tantas pessoas não poderiam estar erradas. Às 23h chegou a minha vez em dar opinião: pela uma hora da manhã fiquei convencido, aquelas pessoas estavam com a razão.

Somos levados numa viagem entre as pinturas, tintas e pincéis, imagens históricas e muitos depoimentos de pessoas próximas a Arnaldo – são músicos, produtores, familiares e acima de tudo amigos. Fontenelle mistura a história do criador dos Mutantes com muita música, imagens pessoais e de arquivo televisivo, relatos do próprio músico, como também filmagens de alguns de seus quadros, todos produzidos na casa em que vive em Juiz de Fora (MG). Vamos da infância até o retorno d’Os Mutantes que não são tão Mutantes, dos amigos e admiradores próximos aos mais distantes – como Kurt Cobain e Sean Lennon, filho do ex-Beatle – e sem esquecer dos amores. Infelizmente não vemos depoimentos de Rita Lee, o primeiro e, talvez, maior da vida de Arnaldo.

Não poderia faltar Arnaldo, Sérgio e Rita no III Festival de Música Popular Brasileira, em 1967, quando Gilberto Gil apresentou acompanhado d’Os Mutantes a música “Domingo no Parque”, que conquistaria o segundo lugar do festival. “Imagina a gente entrando sem o Gilberto Gil num dia de bossa nova com Elis. Não dava certo”, e Arnaldo estava certo: essa apresentação foi um marco, um começo na carreira de um músico exemplar com seus altos e baixos, acompanhado de seu irmão e Rita.

“O que será que me impulsiona na vida? O que me leva a fazer isso? É difícil. Deve ser descobrimento e exploração.” É interessante também notar que o documentário não fica extremamente preso aos Mutantes, ele também dá importância aos diversos depoimentos de Arnaldo sobre outros assuntos, como quando ouviu pela primeira vez rock n’ roll ao andar numa roda gigante, ou, inclusive, a questões que ele mesmo abre sobre sua vida. “Maiores Alegrias? São as etapas vencidas.” Etapas que vão desde seu amor pela música até o contato com as drogas e a autodestruição. Nos anos 70 a droga da época era o ácido e evidentemente com o sucesso d’Os Mutantes, acompanhado das idas e vindas a Europa, a descoberta era inevitável. Desse contato, o mais afetado foi Arnaldo, modificando sua música e também seu comportamento.

Ele é visto em sua forma humana, muito além de seu personagem Mutante músico que virou uma lenda nacional e internacional. Tom Zé analisa Arnaldo de uma forma que jamais havia visto – fazendo com que seja um dos depoimentos mais interessantes, além de me fazer arrepiar os pelos dos braços. “As pessoas não procuram ficar perto dele. Parece que tem medo. Realmente, a sabedoria mete medo. Eu não to falando da sabedoria no sentido universitário, talvez nem no sentido da ciência desenvolvida. To falando de um tipo de conhecimento muito concentrado dessa vida tão profícua, do grande mistério que ele viveu.”

Rogério Duprat vai além e comenta que a história do Brasil pós-67 era de Arnaldo, da mesma maneira que os Mutantes trouxeram um frescor aos tempos de ditadura militar. Os Mutantes fizeram história na história, assim como "Loki" é mais profundo que uma cinebiografia. É a história do Brasil contada através da música e vida de um personagem complexo e incompreendido. Jamais pensaria que esse tipo de filme biografia poderia prender tanto a atenção ao ponto de querer saber mais logo após chegar aos créditos. E olha que esse é apenas o primeiro longa-metragem de Paulo Henrique Fontenelle. Começou bem, soube contar uma boa história.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Celebrando a alegria


Em Piquenique, Ed Motta faz seu disco mais pop e bem-humorado, retomando todo o swing funk e soul de “Manual Prático Para Festas, Bailes e Afins”.

“Olha ele ali!” É dessa forma que sou recebido por Ed Motta para uma conversa sobre Piquenique, o décimo disco da carreira do multi-instrumentista. Tendo uma refrescante piscina como vista e no melhor alto-astral, Ed Motta conta como foi dividir composições com sua esposa, sua ligação com os discos e a dificuldade em ser um “nerd”.

De onde veio o nome do disco? Ele marca algo em especial em sua carreira?
O nome Piquenique veio por acaso, logo depois que letramos o disco. Estava buscando algo ligado ao mundo real e por uma das músicas chamar Piquenique, decidimos por ela. Achei um ótimo nome, já que Piquenique representa certa ingenuidade e também passa uma ideia de celebração do disco. Às vezes muitos dos nomes vêm por acaso comigo, tenho certa dificuldade em achar um nome legal logo de cara.

Acho que esse é o disco mais pop da minha carreira. Ele contou com a contribuição de dois caras: Silveira e Mario Leo. Eles contribuíram no aspecto da sonoridade, adicionando e apresentando elementos diferentes, como os sons digitais que não sou tão familiarizado. O resultado foi um disco com uma sonoridade mais atual, “moderna”.

Quais as influências nesse CD?
Tem um pouco de tudo. É como se eu abrisse uma gaveta que estava fechada há muito tempo. Tem coisas que escuto desde sempre, mas não escuto tanto como quando tinha meus 15 ou 16 anos. Mesmo com essas influências “modernas”, Piquenique possui aquele aspecto de nostalgia. Meu estilo continua ali.

Você tem algum processo de composição em especial?
Pode parecer estranho, mas, na verdade, escuto mais música do que componho. Curto mais ouvir a dos outros do que fazer as minhas próprias músicas. (risos)

Normalmente gravo no piano e no violão quando bate uma ideia. Sento e parece que acontece um negócio, já sinto alguma coisa e começo a tocar, viajando na música. Também faço música em casa, sou bem caseiro. Infelizmente, grande parte das minhas músicas favoritas não fiz em casa, elas saíram de quarto de hotel ou passagens de som.

Tenho três gravadores, gravo cada tipo de coisa em cada gravador, depende da ideia que vier. Hoje em dia, uso também o iPhone para gravar algumas coisas enquanto viajo, é muito simples e prático.

Antigamente guardava todas as minhas músicas de cabeça, hoje em dia não é mais assim. É bem triste esquecer uma música que você gastou tanto tempo e dedicação para fazer e acabar esquecendo, chega a irritar também. Esquecer a própria música é como uma facada. Dá trabalho fazer música.

E essa ideia de usar narrativas de quadrinhos na composição do disco?
Sou fã de quadrinhos, sempre gostei de ler. Se der uma olhada no meu site novo, lá tem uma lista de alguns quadrinhos que gosto e sugiro a leitura. Até hoje, acho que a melhor coisa que Seattle fez não foi o grunge, mas os grandes quadrinistas que saíram de lá, como Chris Ware.

É a estreia da sua esposa, Edna Lopes, na composição de 11 das 12 letras. Como foi trabalhar com ela?
Acho que temos um convívio de interesses muito parecido e intenso. Não temos filhos, nem trabalhamos fora, ficamos todo tempo juntos. É como se fossemos irmãos siameses, ela sabe tudo que eu gosto e tudo que acho ridículo.

São 20 anos de casados e ela já ajudou em muita coisa na minha carreira, como desenhos, os palcos dos meus shows, etc. Todas as capas dos meus discos foram feitos por ela.
Tivemos a ideia da torta do encarte de Piquenique no caminho da edição de fotos. Pensamos em fazer algo como um piquenique pão duro, só uma tortinha. Engraçado que paramos para comprar uma torta real, já que parece meio sem graça aquelas tortas falsas apenas para ensaios, e no final das fotos acabamos comendo tudo.

Como foi trabalhar pela terceira vez com Rita Lee, agora em “Nefertiti”?
É muito bom. Foram três parcerias com a Rita, isso tudo graças ao padrinho Liminha, um grande cara. Foi através da música “Fora da Lei” que ele fez a gente se conhecer e gravar pela primeira vez.

Em “Nefertiti” fizemos tudo via e-mail, mandei a música e ela devolveu letrada alguns dias depois. Para falar a verdade, a gente nunca se encontrou para fazer música. Antigamente era feito por fax, agora, hoje em dia a gente se modernizou e já usou o e-mail, baita progresso.

Piquenique ainda conta com a participação da cantora Maria Rita. Foi difícil conciliar as agendas para as gravações?
Foi em junho que decidi convidar a Maria Rita para gravar uma música. Liguei numa quarta-feira e já no fim de semana estávamos em São Paulo gravando, foi bem rápido. Ela também foi muito gente boa, nós dois moramos no Rio de Janeiro e logo depois de combinado largamos tudo e fomos para São Paulo gravar as vozes.

Como é sua cobrança em relação à música?
Estou sempre me cobrando. Sou perfeccionista em todos os detalhes, chego a passar horas no estúdio cuidando de coisas mínimas. Me cobro mais como um cara de conceito. Gostaria de ser virtuoso, queria tocar igual grandes caras da música, como [John] Contraine. Infelizmente essa técnica não me foi dada.

Sempre usa minha musicalidade e o estudo. Nunca estudei música formalmente, fui autodidata desde que comecei. É um trabalho bem mais pesado desse jeito.

Como define sua música?
Gosto de todos os tipos de som, do mais difícil ao mais simples. Estou incrustado no Soul e Funk, mas claro que sou mais abrangente que isso. Já fiz de tudo um pouco. Não fico apenas numa coisa, se ficasse seria chato pra cacete. (risos)

Acho o pragmatismo dos rótulos muito engraçado, não tenho tanto problemas com isso. Por ser um colecionado, essa ideia de divisão de estios faz parte desse mundo. Ajuda a organizar.

Parece que quanto mais você conhece, mais você se afasta das pessoas. É como um funil, você vai meio que selecionando e encontra as pessoas que mais combinam com a maneira que você é.

É como ser um nerd, mas existem diferentes tipos deles. Tem o nerd que tudo que ele queria era ser um marombadão e pegar várias garotas, mas existem os que querem ser, e gostam de ser, aquele tipo “inside de culture”, que gosta de descobrir e conversar sobre tudo. Me considero um pouco nerd também.

O que você acha que falta na música hoje em dia?
Falta vergonha na cara (risos). A culpa não é de quem faz, mas de quem investe. O lixo não existiria se ninguém pagasse por ele. Falta arte na “arte”, na verdade falta um pouco em tudo.

É realmente difícil para quem faz música com alicerce técnico. Existem mais portas abertas para música ruim. As pessoas são meio que induzidas pelo mercado, elas ficaram anestesiadas há muitos anos.

Quanto pior é o artista, mais fácil de produzir. As bandas ou artistas, hoje em dia, já surgem com cabeça empresarial, sabem todas as regras do jogo e visam direto o mercado. É foda.


O que tem ouvido de melhor? E o pior?
Melhor coisa que tenho ouvido ultimamente é Orkestra Rumpilezz. Já a pior, meu Deus, tem tanta coisa que nem saberia qual dizer.

E sua relação com a crítica, melhorou?
Não posso reclamar da crítica, ela é sempre generosa comigo. Tenho que dizer que quando leio algo com teor raivoso, pessoal, frustrado, fico realmente puto. Mesmo assim, a crítica especializada é uma boa, também como a crítica dos fãs, ela serve como um termômetro, você descobre onde pode melhorar.

As redes sociais como o Twitter servem para isso. É um toma lá da cá, bateu levou. Que saudade dos anos 70 que éramos todos loucos e não ligávamos para nada.

Você possui uma grande coleção de discos de vinil. Qual é sua ligação com eles?
Nunca me desfiz dos meus vinis. Demorei certo tempo para mudar de uma mídia para outra, só fui comprar meu primeiro aparelho de CD em 1988. Nunca comprei CD até ver pela primeira vez o Álbum Branco dos Beatles em “miniatura”. Quando vi achei legal a ideia da miniatura de um disco.

Acredito que o vinil tem um som melhor tecnicamente, e se você souber procurar vinil, ele também consegue ser mais barato que o CD. Os sebos estão aí para isso, caçar. Eu normalmente compro discos por lotes, que muitas vezes sai mais barato. Os sites Ebay e Amazon sempre estão com algumas promoções bacanas e acabo levando muitos vinis por preços mínimos.

O vinil também traz uma coisa de tradição, um clima todo especial do cuidado. Por exemplo, há diferença no cuidado do vinil no Rio e em São Paulo, cada lugar tem seu jeito de tratar o vinil por conta de umidade, luminosidade, etc.

A volta do vinil é como uma moda, da mesma forma que a moda das tatuagens. Chega a me irritar um pouco ao ver que o vinil é curtido apenas por ser considerado “cool”. Por outro lado é muito bom para quem gosta: fica mais fácil de encontrar bom discos e também reedições. Agora estão se baseando nos anos 50 para o lançamento de reedições, querem deixar o vinil com uma qualidade superior.

Tomara que melhorem também a qualidade do vinil aqui, nunca achei muito boa. Estando na mão do Rafael [Ramos] (produtor da gravadora Deckdisc) tenho certeza que dá certo, ele é um ótimo cara para tomar conta disso.

Gostaria muito que Piquenique saísse em LP, mas não tem previsão até o momento.

Qual disco jamais compraria?
Acho que não existe um disco que jamais compraria. A gente compra de tudo e se surpreende com o que aparece nos sebos. Se aparecesse um disco da Perla gravado no Budokan compraria fácil. Comigo existe aquela ideia da coleção.

Tem algum disco vergonhoso na coleção?
Disco vergonhoso não tenho nenhum. Tenho mesmo discos engraçados, como a coleção completa de uma banda alemã chamada Gengis Khan. Todos meus discos tem um porque, nada é vergonhoso na minha coleção.


(Entrevista feita em Janeiro de 2010)

sexta-feira, 26 de março de 2010

Neil Gaiman no Oscar 2010


Até parece que esqueci o Calango, mas não. Passei dias e dias sofrendo devido a falta de atualização, infelizmente o tempo não me deixava. Dizem que não existe essa, concordo, mas quando aparecia um momento para o ócio, jamais dispediçava.

Sem maiores delongas, o post de hoje é na verdade uma indicação de um texto muito bacana que li no jornal britânico Guardian. Não serial bacana ler sobre o Oscar 2010 do ponto de vista de alguma celebridade? Sim, sempre é legal. Agora, não vemos muitas por aí com uma coluna em um dos maiores jornais britânicos. O escritor Neil Gaiman tem, e o mais legal de tudo, ele fez seu post sobre a experiência Oscar 2010. Tudo bem, ele não é uma celebridade, mas é alguém que escreve incrivelmente bem e merece um destaque por seu texto (e também por todos suas histórias).

Segue um pequeno trecho traduzido por mim:

"É o caos controlado.

Estou em pé inexpressivo, percebendo que não tenho ideia alguma do que fazer agora, mas as mulheres se parecem com borboletas, e há pessoas nas arquibancadas gritando para cada limousine que aparece. Alguém diz: "Neil?"

É Deette, da Focus. "Acabo de levar Henry. Que bela coincidência. Gostaria que eu o acompanhasse?"

Eu gostaria muito. Ela pergunta se eu gostaria de passar pelas câmeras, e digo que sim, pois minha noiva está na Austrália e minhas filhas estão assistindo pela TV, e Kambriel ficaria feliz em ver seu paletó na televisão.

Entramos na multidão, atrás de alguém em um belo vestido. Parece a aquarela de um sonho. Não faço ideia quem é quem, com exceção de Steve Carell, porque ele parece com Steve Carell da televisão, só que um pouquinho menos alaranjado.

Somo expremidos assim que passamos pelos detectores de metal, e o belíssimo vestido aquarela é pisoteado, e a dama que o veste está atenta a isso.

Pergunto a Deette quem está dentro do vestido, e ela me diz que é Rachel McAdams. Eu quero dizer olá - Rachel disse coisas agradáveis a meu respeito em entrevistas -, mas ela está a trabalho agora. Eu não. Ninguém quer tirar minha foto, ou, como descobre Deette, me entrevistar. Sou invisível."


Veja o texto completo aqui.