sexta-feira, 18 de junho de 2010

Loki!


Não é todo dia que somos surpreendidos com uma grande história de vida. Sabemos que por esse Brasil multicultural, de vastas terras e pluralidades pode ser fácil encontrar grandes personagens nos menores e mais desconhecidos frascos. Em "Loki", dirigido por Paulo Henrique Fontenelle, encontramos um frasco dos grandes: profundo, de perfume mutante, ácido e sutil em seu auge, passando por momentos de renascimento que o levam a ser o mais doce e inocente possível. Falamos aqui de Arnaldo Baptista, o mutante d’Os Mutantes; Loki, o deus mais travesso da mitologia nórdica, com o poder de assumir as mais diversas formas, e também considerado o mais complexo entre as demais divindades.

Levei um ano para assistir as duas horas que mais foram aproveitadas em frente ao aparelho de televisão. Quando notei que "Loki" iria passar na TV Cultura tarde da noite de sábado para domingo, não titubeei: coloquei alarme, fiz meus pais prometerem de pés juntos que não me fariam esquecer, avisei até vizinho da programação; não poderia perder; já havia enrolado demais. O documentário foi muito elogiado, tantas pessoas não poderiam estar erradas. Às 23h chegou a minha vez em dar opinião: pela uma hora da manhã fiquei convencido, aquelas pessoas estavam com a razão.

Somos levados numa viagem entre as pinturas, tintas e pincéis, imagens históricas e muitos depoimentos de pessoas próximas a Arnaldo – são músicos, produtores, familiares e acima de tudo amigos. Fontenelle mistura a história do criador dos Mutantes com muita música, imagens pessoais e de arquivo televisivo, relatos do próprio músico, como também filmagens de alguns de seus quadros, todos produzidos na casa em que vive em Juiz de Fora (MG). Vamos da infância até o retorno d’Os Mutantes que não são tão Mutantes, dos amigos e admiradores próximos aos mais distantes – como Kurt Cobain e Sean Lennon, filho do ex-Beatle – e sem esquecer dos amores. Infelizmente não vemos depoimentos de Rita Lee, o primeiro e, talvez, maior da vida de Arnaldo.

Não poderia faltar Arnaldo, Sérgio e Rita no III Festival de Música Popular Brasileira, em 1967, quando Gilberto Gil apresentou acompanhado d’Os Mutantes a música “Domingo no Parque”, que conquistaria o segundo lugar do festival. “Imagina a gente entrando sem o Gilberto Gil num dia de bossa nova com Elis. Não dava certo”, e Arnaldo estava certo: essa apresentação foi um marco, um começo na carreira de um músico exemplar com seus altos e baixos, acompanhado de seu irmão e Rita.

“O que será que me impulsiona na vida? O que me leva a fazer isso? É difícil. Deve ser descobrimento e exploração.” É interessante também notar que o documentário não fica extremamente preso aos Mutantes, ele também dá importância aos diversos depoimentos de Arnaldo sobre outros assuntos, como quando ouviu pela primeira vez rock n’ roll ao andar numa roda gigante, ou, inclusive, a questões que ele mesmo abre sobre sua vida. “Maiores Alegrias? São as etapas vencidas.” Etapas que vão desde seu amor pela música até o contato com as drogas e a autodestruição. Nos anos 70 a droga da época era o ácido e evidentemente com o sucesso d’Os Mutantes, acompanhado das idas e vindas a Europa, a descoberta era inevitável. Desse contato, o mais afetado foi Arnaldo, modificando sua música e também seu comportamento.

Ele é visto em sua forma humana, muito além de seu personagem Mutante músico que virou uma lenda nacional e internacional. Tom Zé analisa Arnaldo de uma forma que jamais havia visto – fazendo com que seja um dos depoimentos mais interessantes, além de me fazer arrepiar os pelos dos braços. “As pessoas não procuram ficar perto dele. Parece que tem medo. Realmente, a sabedoria mete medo. Eu não to falando da sabedoria no sentido universitário, talvez nem no sentido da ciência desenvolvida. To falando de um tipo de conhecimento muito concentrado dessa vida tão profícua, do grande mistério que ele viveu.”

Rogério Duprat vai além e comenta que a história do Brasil pós-67 era de Arnaldo, da mesma maneira que os Mutantes trouxeram um frescor aos tempos de ditadura militar. Os Mutantes fizeram história na história, assim como "Loki" é mais profundo que uma cinebiografia. É a história do Brasil contada através da música e vida de um personagem complexo e incompreendido. Jamais pensaria que esse tipo de filme biografia poderia prender tanto a atenção ao ponto de querer saber mais logo após chegar aos créditos. E olha que esse é apenas o primeiro longa-metragem de Paulo Henrique Fontenelle. Começou bem, soube contar uma boa história.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Celebrando a alegria


Em Piquenique, Ed Motta faz seu disco mais pop e bem-humorado, retomando todo o swing funk e soul de “Manual Prático Para Festas, Bailes e Afins”.

“Olha ele ali!” É dessa forma que sou recebido por Ed Motta para uma conversa sobre Piquenique, o décimo disco da carreira do multi-instrumentista. Tendo uma refrescante piscina como vista e no melhor alto-astral, Ed Motta conta como foi dividir composições com sua esposa, sua ligação com os discos e a dificuldade em ser um “nerd”.

De onde veio o nome do disco? Ele marca algo em especial em sua carreira?
O nome Piquenique veio por acaso, logo depois que letramos o disco. Estava buscando algo ligado ao mundo real e por uma das músicas chamar Piquenique, decidimos por ela. Achei um ótimo nome, já que Piquenique representa certa ingenuidade e também passa uma ideia de celebração do disco. Às vezes muitos dos nomes vêm por acaso comigo, tenho certa dificuldade em achar um nome legal logo de cara.

Acho que esse é o disco mais pop da minha carreira. Ele contou com a contribuição de dois caras: Silveira e Mario Leo. Eles contribuíram no aspecto da sonoridade, adicionando e apresentando elementos diferentes, como os sons digitais que não sou tão familiarizado. O resultado foi um disco com uma sonoridade mais atual, “moderna”.

Quais as influências nesse CD?
Tem um pouco de tudo. É como se eu abrisse uma gaveta que estava fechada há muito tempo. Tem coisas que escuto desde sempre, mas não escuto tanto como quando tinha meus 15 ou 16 anos. Mesmo com essas influências “modernas”, Piquenique possui aquele aspecto de nostalgia. Meu estilo continua ali.

Você tem algum processo de composição em especial?
Pode parecer estranho, mas, na verdade, escuto mais música do que componho. Curto mais ouvir a dos outros do que fazer as minhas próprias músicas. (risos)

Normalmente gravo no piano e no violão quando bate uma ideia. Sento e parece que acontece um negócio, já sinto alguma coisa e começo a tocar, viajando na música. Também faço música em casa, sou bem caseiro. Infelizmente, grande parte das minhas músicas favoritas não fiz em casa, elas saíram de quarto de hotel ou passagens de som.

Tenho três gravadores, gravo cada tipo de coisa em cada gravador, depende da ideia que vier. Hoje em dia, uso também o iPhone para gravar algumas coisas enquanto viajo, é muito simples e prático.

Antigamente guardava todas as minhas músicas de cabeça, hoje em dia não é mais assim. É bem triste esquecer uma música que você gastou tanto tempo e dedicação para fazer e acabar esquecendo, chega a irritar também. Esquecer a própria música é como uma facada. Dá trabalho fazer música.

E essa ideia de usar narrativas de quadrinhos na composição do disco?
Sou fã de quadrinhos, sempre gostei de ler. Se der uma olhada no meu site novo, lá tem uma lista de alguns quadrinhos que gosto e sugiro a leitura. Até hoje, acho que a melhor coisa que Seattle fez não foi o grunge, mas os grandes quadrinistas que saíram de lá, como Chris Ware.

É a estreia da sua esposa, Edna Lopes, na composição de 11 das 12 letras. Como foi trabalhar com ela?
Acho que temos um convívio de interesses muito parecido e intenso. Não temos filhos, nem trabalhamos fora, ficamos todo tempo juntos. É como se fossemos irmãos siameses, ela sabe tudo que eu gosto e tudo que acho ridículo.

São 20 anos de casados e ela já ajudou em muita coisa na minha carreira, como desenhos, os palcos dos meus shows, etc. Todas as capas dos meus discos foram feitos por ela.
Tivemos a ideia da torta do encarte de Piquenique no caminho da edição de fotos. Pensamos em fazer algo como um piquenique pão duro, só uma tortinha. Engraçado que paramos para comprar uma torta real, já que parece meio sem graça aquelas tortas falsas apenas para ensaios, e no final das fotos acabamos comendo tudo.

Como foi trabalhar pela terceira vez com Rita Lee, agora em “Nefertiti”?
É muito bom. Foram três parcerias com a Rita, isso tudo graças ao padrinho Liminha, um grande cara. Foi através da música “Fora da Lei” que ele fez a gente se conhecer e gravar pela primeira vez.

Em “Nefertiti” fizemos tudo via e-mail, mandei a música e ela devolveu letrada alguns dias depois. Para falar a verdade, a gente nunca se encontrou para fazer música. Antigamente era feito por fax, agora, hoje em dia a gente se modernizou e já usou o e-mail, baita progresso.

Piquenique ainda conta com a participação da cantora Maria Rita. Foi difícil conciliar as agendas para as gravações?
Foi em junho que decidi convidar a Maria Rita para gravar uma música. Liguei numa quarta-feira e já no fim de semana estávamos em São Paulo gravando, foi bem rápido. Ela também foi muito gente boa, nós dois moramos no Rio de Janeiro e logo depois de combinado largamos tudo e fomos para São Paulo gravar as vozes.

Como é sua cobrança em relação à música?
Estou sempre me cobrando. Sou perfeccionista em todos os detalhes, chego a passar horas no estúdio cuidando de coisas mínimas. Me cobro mais como um cara de conceito. Gostaria de ser virtuoso, queria tocar igual grandes caras da música, como [John] Contraine. Infelizmente essa técnica não me foi dada.

Sempre usa minha musicalidade e o estudo. Nunca estudei música formalmente, fui autodidata desde que comecei. É um trabalho bem mais pesado desse jeito.

Como define sua música?
Gosto de todos os tipos de som, do mais difícil ao mais simples. Estou incrustado no Soul e Funk, mas claro que sou mais abrangente que isso. Já fiz de tudo um pouco. Não fico apenas numa coisa, se ficasse seria chato pra cacete. (risos)

Acho o pragmatismo dos rótulos muito engraçado, não tenho tanto problemas com isso. Por ser um colecionado, essa ideia de divisão de estios faz parte desse mundo. Ajuda a organizar.

Parece que quanto mais você conhece, mais você se afasta das pessoas. É como um funil, você vai meio que selecionando e encontra as pessoas que mais combinam com a maneira que você é.

É como ser um nerd, mas existem diferentes tipos deles. Tem o nerd que tudo que ele queria era ser um marombadão e pegar várias garotas, mas existem os que querem ser, e gostam de ser, aquele tipo “inside de culture”, que gosta de descobrir e conversar sobre tudo. Me considero um pouco nerd também.

O que você acha que falta na música hoje em dia?
Falta vergonha na cara (risos). A culpa não é de quem faz, mas de quem investe. O lixo não existiria se ninguém pagasse por ele. Falta arte na “arte”, na verdade falta um pouco em tudo.

É realmente difícil para quem faz música com alicerce técnico. Existem mais portas abertas para música ruim. As pessoas são meio que induzidas pelo mercado, elas ficaram anestesiadas há muitos anos.

Quanto pior é o artista, mais fácil de produzir. As bandas ou artistas, hoje em dia, já surgem com cabeça empresarial, sabem todas as regras do jogo e visam direto o mercado. É foda.


O que tem ouvido de melhor? E o pior?
Melhor coisa que tenho ouvido ultimamente é Orkestra Rumpilezz. Já a pior, meu Deus, tem tanta coisa que nem saberia qual dizer.

E sua relação com a crítica, melhorou?
Não posso reclamar da crítica, ela é sempre generosa comigo. Tenho que dizer que quando leio algo com teor raivoso, pessoal, frustrado, fico realmente puto. Mesmo assim, a crítica especializada é uma boa, também como a crítica dos fãs, ela serve como um termômetro, você descobre onde pode melhorar.

As redes sociais como o Twitter servem para isso. É um toma lá da cá, bateu levou. Que saudade dos anos 70 que éramos todos loucos e não ligávamos para nada.

Você possui uma grande coleção de discos de vinil. Qual é sua ligação com eles?
Nunca me desfiz dos meus vinis. Demorei certo tempo para mudar de uma mídia para outra, só fui comprar meu primeiro aparelho de CD em 1988. Nunca comprei CD até ver pela primeira vez o Álbum Branco dos Beatles em “miniatura”. Quando vi achei legal a ideia da miniatura de um disco.

Acredito que o vinil tem um som melhor tecnicamente, e se você souber procurar vinil, ele também consegue ser mais barato que o CD. Os sebos estão aí para isso, caçar. Eu normalmente compro discos por lotes, que muitas vezes sai mais barato. Os sites Ebay e Amazon sempre estão com algumas promoções bacanas e acabo levando muitos vinis por preços mínimos.

O vinil também traz uma coisa de tradição, um clima todo especial do cuidado. Por exemplo, há diferença no cuidado do vinil no Rio e em São Paulo, cada lugar tem seu jeito de tratar o vinil por conta de umidade, luminosidade, etc.

A volta do vinil é como uma moda, da mesma forma que a moda das tatuagens. Chega a me irritar um pouco ao ver que o vinil é curtido apenas por ser considerado “cool”. Por outro lado é muito bom para quem gosta: fica mais fácil de encontrar bom discos e também reedições. Agora estão se baseando nos anos 50 para o lançamento de reedições, querem deixar o vinil com uma qualidade superior.

Tomara que melhorem também a qualidade do vinil aqui, nunca achei muito boa. Estando na mão do Rafael [Ramos] (produtor da gravadora Deckdisc) tenho certeza que dá certo, ele é um ótimo cara para tomar conta disso.

Gostaria muito que Piquenique saísse em LP, mas não tem previsão até o momento.

Qual disco jamais compraria?
Acho que não existe um disco que jamais compraria. A gente compra de tudo e se surpreende com o que aparece nos sebos. Se aparecesse um disco da Perla gravado no Budokan compraria fácil. Comigo existe aquela ideia da coleção.

Tem algum disco vergonhoso na coleção?
Disco vergonhoso não tenho nenhum. Tenho mesmo discos engraçados, como a coleção completa de uma banda alemã chamada Gengis Khan. Todos meus discos tem um porque, nada é vergonhoso na minha coleção.


(Entrevista feita em Janeiro de 2010)